Basquete

Ciência e esporte: como funciona a análise de dados no basquete brasileiro

Texto originalmente publicado no Diário Lance! em 17/06/2020.

O avanço da tecnologia no mundo possibilitou a coleta de um crescente número de informações. Assim, o termo ciência de dados se popularizou e a profissão segue crescendo cada vez mais. Isso porque através da tecnologia, como computadores, softwares e sensores, os cientistas conseguem transformar uma quantidade massiva de dados em produtos e respostas que guiam tomadas de decisão tanto no âmbito empresarial, quanto no âmbito esportivo.

No esporte, o cientista de dados é aquele que vai olhar para além das estatísticas tradicionais passadas ao vivo durante o jogo, que possuem uma função um pouco mais de entretenimento e uma menor precisão pela demanda de imediatismo. Além de observar as circunstâncias em que cada situação de uma partida ocorre, a ciência de dados também busca cruzar esses dados, descobrindo novas informações.

O que faz a ciência de dados no basquete

No basquete, essa área busca trabalhar mais a fundo que os números contidos nas tradicionais Box Score (caixa tradicional de pontuação e dados do jogo). Para isso, o cientista trabalha em cima de perguntas que guiarão uma análise detalhada de cada lance.

Para analisar um arremessador, por exemplo, ele não observará o aproveitamento de seus arremessos como um todo, mas sim a probabilidade de acerto em situações específicas, que podem incluir o que aconteceu instantes antes do lance. Algumas perguntas que guiam o trabalho do cientista de dados são: “O atleta recebeu um passe parado?”, “Ele driblou com a mão esquerda?”, “Deu um passo para trás?”, “Há quanto tempo está em quadra?”, “Quantos arremessos ele fez nos últimos ataques?”, “A equipe acabou de pedir um tempo?”, “O arremesso foi criado após um bloqueio?”, “Quem era o companheiro que estava fazendo bloqueio para ele?”. Com esse grau de detalhamento se descobre em quais situações o atleta tem seu melhor aproveitamento e o time pode trabalhar para cada vez mais maximizar as chances de conversão.

Além disso, essa análise detalhada redefine alguns conceitos tradicionais do basquete. Um olhar para os números brutos pode apontar para a jogadora que mais roubou bolas na partida, sem levar em conta se, por exemplo, esses lances ocorreram por erro do adversário ou de fato por mérito da atleta. A avaliação de quem é um bom reboteiro não é feita apenas somando a quantidade de bolas recuperadas por cada jogador após um arremesso errado. O cientista de dados cria categorias que classificam os rebotes como “presente”, “disputados” e “sem contestação”, avaliando também o índice de rebotes que a equipe consegue com um determinado atleta em quadra. Assim, o cruzamento da matemática e da análise de cada jogada auxilia a comissão técnica a concluir qual jogador possui maior probabilidade de sucesso em um momento crítico da partida.

A profissão permite investigações com diferentes recortes e não apenas de atletas individualmente. Dessa forma, uma comissão técnica pode olhar objetivamente para dados de duplas, trios ou quartetos de jogadores, verificando o engajamento entre esses atletas e comparando os resultados com o desempenho dos mesmos quando os outros não estão em quadra. Esse tipo de observação permite descobrir claramente o quanto um atleta potencializa os resultados de um determinado companheiro, assim como pode apontar para situações onde dois atletas muito bons produzem mais se não estiverem juntos em quadra.

Além disso, a análise de jogadores que não aparecem nas estatísticas tradicionais permite identificar a importância deles em quadra para o time, onde se pode descobrir um grande impacto na qualidade da equipe. A demonstração científica da contribuição desses atletas tidos como “invisíveis” permite não só a montagem mais qualificada de elencos, mas também aumenta a autoestima desses jogadores.

Assim, uma comissão técnica que conta com uma equipe de analistas de dados consegue unir o conhecimento do esporte que o técnico possui e o conhecimento estatístico do cientista de dados. Esse trabalho conjunto permite o planejamento de ações específicas que ampliem o aproveitamento das habilidades de cada atletas e, consequentemente, aumentem a probabilidade de vitórias da equipe.

Os desafios e a importância da área no basquete

No brasil, o basquetebol ainda é um esporte muito pouco valorizado e com pouco investimento. Por isso, os campeonato e times costumam contar apenas com dados como quantidade de pontos, de rebotes, de roubadas de bola e de assistências, sem inferências mais profundas. Com poucos recursos e orçamentos apertados, a ciência de dados acaba sendo um investimento distante, até por demandar uma equipe que conta com profissionais mais caros.

Diante do cenário, os times amadores e profissionais brasileiros possuem, em geral uma comissão técnica menor. A Liga Super Basketball (LSB), maior organização de basquete do Rio de Janeiro e uma das maiores liga do esporte amador do país, é uma das pioneiras na utilização da ciência de dados. O time feminino da Liga, Sodiê Doces/LSB RJ, conta com uma comissão técnica formada por profissionais de diversas áreas como uma psicóloga e uma equipe de analista de dados. Henrique de Andrade, cientista de dados da equipe feminina, contou como foi possível a formação de uma equipe tão completa.

– A gente consegue ter essa equipe porque juntamos cientistas de dados voluntários. Sempre admirei o viés social da LSB, trabalho há mais de 15 anos na área e fui atleta de basquete. Por admiração ao trabalho que já conhecia da Liga, ao ver a montagem de uma equipe para a liga nacional, resolvi dedicar um tempinho meu para a equipe feminina, onde atuo com enorme prazer. – contou o analista.

O analista Henrique, que chegou a trabalhar na Wikipedia na Califórnia, também detalhou sobre o trabalho da equipe de cientistas de dados do time desde o começo.

– Antes dos jogos, começamos o trabalho com robôs que pegaram na internet as estatísticas básicas dos principais campeonatos, mas sentimos falta de mais informações. Por isso, passamos a reassistir os jogos e criar novas estatísticas. O time conta com uma equipe de analistas para fazer isso. Além disso, desenvolvemos softwares que ampliam e potencializam o cruzamento de diversas situações de jogo, podendo inclusive ao final criar automaticamente videoclipes de jogadas específicas. Isso é analisado e mostrado para as atletas na preparação para as partidas. A ciência de dados é feita para ser utilizada nos treinos, mostrando o que cada atleta deve fazer diante das situações. No jogo ele fará porque aquilo foi treinado – contou Henrique.

Perguntado sobre seu trabalho dentro de quadra nas competições, Henrique contou que fica no banco ao lado do técnico comparando os dados previstos com os gerados ao vivo para auxiliar decisões como as melhores escalações, jogadas e formas de marcação para ampliar as possibilidades de sucesso do time.

O exemplo da equipe feminina evidencia a importância da análise de dados no esporte, que tem ajudado a equipe a atingir seus objetivos dentro de quadra. O avanço da tecnologia fez com que a profissão crescesse muito na última década, entretanto, no âmbito do esporte no Brasil, a ciência de dados ainda está longe de ter apresentado toda sua potência.

– Estamos apenas começando. Existem milhares de dados a serem coletados e analisados para potencializar a performance de nossas atletas. Conforme mais equipes investirem em ciência de dados mais o basquete brasileiro terá chances de brilhar novamente no cenário internacional – concluiu Henrique.

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